Introdução

A autogestão é um conceito fundamental no universo dos Métodos Ágeis e uma das pedras fundamentais do Scrum. O princípio destacado no Manifesto Ágil ressalta que as melhores arquiteturas, requisitos e designs emergem de equipas auto-organizadas. Este artigo aborda o conceito de autogestão, explorando sua importância e fornecendo orientações para promovê-la eficazmente em sua equipa.

O que é a Autogestão no Scrum?

No Scrum, a autogestão refere-se à capacidade da equipa de tomar decisões sobre seu trabalho de forma mais independente possível, ou seja, sem depender de fontes externas. Esta abordagem enfatiza a autonomia e colaboração, resumindo-se à responsabilidade da equipa sobre quem faz o quê, quando e como.

E aqui temos o primeiro ponto: autogestão não é um conceito binário, zero ou um. Não está presente no Agile em uma forma absoluta mas como um espectro, onde dizemos que equipas são mais ou menos autogeridas. Enfim, esqueça se alguém lhe disse que é obrigatório 100% de autonomia para que tudo aconteça ou funcione. Nem branco ou preto, abre-se espaço aqui para muita “área cinzenta”.

Importância da Autogestão

A autogestão é um pilar essencial para equipas que operam no Scrum, desempenhando um papel vital no sucesso de suas iniciativas de desenvolvimento. Esta abordagem não apenas capacita os membros da equipa a tomar decisões de maneira independente, mas também fomenta um ambiente de responsabilidade compartilhada, inovação e foco. Ao se autogerir, a equipa Scrum pode responder de forma mais ágil às mudanças, otimizar processos e maximizar a eficiência, contribuindo significativamente para a entrega de valor contínuo e a satisfação do cliente.

Promove a Responsabilidade/Compromisso

A autogestão no contexto do Scrum promove a responsabilidade e o compromisso de uma maneira comparável a um jogo de futebol, onde todos os jogadores estão ativamente envolvidos na busca pela bola, sem depender constantemente das instruções do treinador. Esta analogia ilustra como, em um ambiente de autogestão, cada membro da equipa se sente empoderado para agir e tomar iniciativas, sem a necessidade de esperar por direcionamentos específicos de um gerente. Em contraste, na ausência de autogestão, observa-se uma tendência para a passividade, onde os membros da equipa agem apenas quando explicitamente instruídos. Este cenário limita significativamente a iniciativa e a proatividade, essenciais para a agilidade e a eficácia na resolução de problemas complexos. Portanto, a autogestão não só estimula cada indivíduo a assumir responsabilidade pelo sucesso coletivo, mas também cultiva um espírito de comprometimento e colaboração ativa dentro da equipa.

Agiliza a Tomada de Decisões

A agilização da tomada de decisões é uma vantagem crucial da autogestão. Ao adotar este conceito, promove-se a descentralização das decisões, eliminando a possibilidade de uma única pessoa se tornar um gargalo no processo. Isso resulta em decisões mais rápidas e contextualizadas, uma vez que são tomadas pela própria equipa, que está diretamente envolvida e tem um entendimento profundo do problema em questão. Além disso, a descentralização alivia os gestores da pressão de serem os únicos responsáveis por todas as decisões, distribuindo a carga de trabalho de maneira mais equitativa e eficiente. Essa abordagem não só acelera o processo de desenvolvimento, mas também garante que as decisões sejam mais alinhadas com as necessidades reais e imediatas do produto/projeto.

Melhora a Satisfação da Equipa

A melhoria da satisfação da equipa é um dos benefícios mais significativos da autogestão no ambiente Scrum. Quando as equipas são autogeridas, há uma tendência notável de atrair e reter talentos de alta qualidade. Este cenário cria um ciclo virtuoso: colaboradores satisfeitos tendem a ser mais produtivos, o que, por sua vez, contribui para um ambiente de trabalho mais positivo e eficaz. A autonomia e o senso de propriedade (ownership) que vêm com a autogestão capacitam os membros da equipa, fazendo com que se sintam mais valorizados e engajados com o seu trabalho. Consequentemente, isso não apenas eleva o moral da equipa, mas também impulsiona o desempenho geral.

Gestores não precisam temer

É possível que alguns gestores resistam ou hesitem em implementar a autogestão nas suas equipas, receando que isso possa levar à inatividade ou, em casos extremos, a resultados desastrosos.

No entanto, alguns princípios do Scrum são essenciais para cultivar uma autogestão efetiva, estabelecendo uma estrutura sólida que suporta-a de maneira eficaz:

Urgência -> Timebox/Tempo Limite

O conceito de Timebox, ou Tempo Limite, é um aspecto fundamental do Scrum, especialmente evidente nas Sprints. Este princípio estabelece um período máximo para a realização de cada evento, garantindo que a equipa mantenha o foco e a eficiência durante todo o processo. Ao definir um limite de tempo estrito, o Timebox ajuda a prevenir a procrastinação e a dispersão, assegurando que o tempo e os recursos sejam utilizados de maneira otimizada. Essa abordagem orientada para a urgência e eficiência é essencial para manter o ritmo acelerado e produtivo característico das equipas Scrum, ajudando-as a alcançar seus objetivos dentro dos prazos estabelecidos e com a máxima eficácia.

Direção -> Meta de Produto/Sprint

As metas estabelecidas no Scrum, tanto a Meta de Produto (Product Goal) quanto a Meta de Sprint (Sprint Goal), desempenham um papel crucial ao fornecer uma direção clara para as equipas. Estas metas funcionam como bússolas que guiam as decisões e as priorizações da equipa, assegurando que todos os membros estejam em sincronia e caminhando em uníssono rumo aos objetivos comuns. Elas servem para manter o foco da equipa e garantir que cada ação realizada esteja alinhada com os objetivos mais amplos do produto/projeto. Essa clareza de propósito é essencial para manter a equipa orientada, coesa e eficiente, evitando desvios e garantindo que os esforços sejam concentrados em alcançar resultados significativos e alinhados com as visões de longo prazo do produto/projeto.

Regras -> Valores do Scrum

Os valores do Scrum – compromisso, coragem, foco, respeito e abertura – constituem a base para uma cultura de autogestão eficaz. Esses valores são pilares que sustentam e fomentam um ambiente de trabalho onde a responsabilidade é compartilhada, a colaboração é incentivada e a iniciativa individual é valorizada. Eles promovem um clima de confiança mútua, onde os membros da equipa sentem-se empoderados para enfrentar desafios e contribuir proativamente para o sucesso do todo.

Melhoria -> Retrospectivas

Assim como em todos os aspectos da vida, ninguém nasce pronto, e o mesmo se aplica ao trabalho em equipa. Para os gestores, é essencial compreender e investir no desenvolvimento contínuo das habilidades de suas equipas, incluindo a crucial competência da autogestão. Nesse sentido, o Scrum oferece uma ferramenta poderosa: os eventos de Retrospectiva da Sprint. Estes momentos são oportunidades de ouro para as equipas refletirem e discutirem internamente sobre como podem se autogerir de maneira mais eficaz, visando o aumento e a melhoria dos resultados.

Ou seja, o que estamos a dizer é que o Gestor pode confiar pois temos as restrições de urgência, direção, regras e melhoria a serem seguidos. Com o Scrum, estamos a dizer para a equipa: “Podem se autogerir em como alcançar essa meta dentro desse limite de tempo. Sigam esse conjunto de valores e se avaliem continuamente em como podem melhorar”.

A Autogestão nos Elementos do Scrum

A autogestão manifesta-se no Scrum de diversas formas e os seus elementos são responsáveis por promovê-la:

 

Sprint: dentro do prazo da Sprint a equipa Scrum se organiza em como cumprir com o Sprint Goal.Sprint Planning: a equipa decide quantos e quais itens do backlog abordar nessa Sprint.Daily Scrum: reuniões diárias são eventos de autogestão para coordenação interna, onde os membros decidem quais atividades irão trabalhar no dia.Sprint Review: permite que a equipa se gerencie em como apresentar o que foi feito e coletar o feedback dos Stakeholders sobre seu trabalho.Sprint Retrospective: a equipa colabora para resolver desafios, em vez de depender de uma autoridade externa.Product Owner: papel que resume a autogestão da equipa no que diz respeito a liderança do produto.Scrum Master: papel que resume a autogestão da equipa no que diz respeito a liderança do seu processo de trabalho.Developers: são responsáveis por autogerir suas tarefas e práticas técnicas para criação do incremento de produto.Product Backlog: lista de requisitos que determina como a equipa prioriza o âmbito do produto/projeto.Sprint Backlog: seleção de itens feita pela equipa para ser completado nessa Sprint.Incremento: a equipa se auto-organiza em como vai transformar o Sprint Backlog num Incremento Pronto de produto ao final da Sprint.

 

Anti-padrões e a Autogestão no Scrum

Porém, ao aplicar um conceito complexo como esse dentro do universo corporativo, é comum em muitas empresas existirem falhas ao interpretá-lo. Aqui temos alguns exemplos de anti-padrão no contexto da autogestão:

Microgestão

Um dos anti-padrões mais comuns que fere a autogestão é a transformação da Daily Scrum, em sessões de microgestão. Nestas situações, as reuniões destinadas a ser um espaço para a equipa sincronizar atividades e identificar impedimentos se convertem em sessões onde cada detalhe é escrutinado e cada ação é controlada. Isso leva a uma atmosfera de vigilância constante, onde os membros da equipa se sentem monitorados e avaliados, em vez de apoiados. A microgestão mina a confiança, reduz a autonomia e desmotiva a equipa, contrariando os princípios da autogestão no Scrum.

Distribuição de Tarefas

Outro anti-padrão comum é a distribuição centralizada de tarefas. No Scrum, espera-se que a equipa auto-organize a distribuição de tarefas com base nas prioridades do Sprint Backlog e nas habilidades individuais. Quando um Scrum Master, Product Owner ou qualquer outra figura de autoridade impõe tarefas específicas a membros individuais da equipa, isso prejudica a capacidade da equipa de se autogerir. Isso pode levar a um desequilíbrio nas cargas de trabalho, desmotivação e uma perda de senso de propriedade e responsabilidade sobre o trabalho.

Dependência de Decisões Externas

A dependência de decisões externas é um anti-padrão que ocorre quando as equipas Scrum não conseguem tomar decisões sem a aprovação de pessoas fora da equipa, como gestores ou outras partes interessadas. Isso contradiz a ideia de autogestão, onde as equipas são encorajadas a tomar decisões baseadas em seu conhecimento e experiência. A necessidade constante de aprovação externa atrasa o progresso, cria gargalos e reduz a eficiência e a agilidade da equipa.

Hierarquia entre Papéis

A criação de uma hierarquia rígida entre os papéis do Scrum é outro anti-padrão que prejudica a autogestão. Embora cada papel no Scrum (Scrum Master, Product Owner e Developers) tenha responsabilidades distintas, nenhum deve ser visto como superior aos outros. Uma hierarquia rígida pode levar a um ambiente onde a colaboração é limitada e a autonomia dos membros da equipa é restringida. Isso resulta em uma dinâmica de trabalho menos eficaz, onde as ideias e contribuições dos membros da equipa são desvalorizadas ou ignoradas, prejudicando a inovação e a criatividade.

Equipas Anárquicas

Um anti-padrão oposto ao que foi mencionado, mas igualmente desafiador, é o das equipas anárquicas. Este cenário surge quando a autogestão é mal interpretada como uma completa ausência de estrutura ou liderança. Nestas equipas, a falta de direção clara e a ausência de acordos sobre processos e metas levam a um caos organizacional. Embora a autogestão promova a autonomia, ela requer uma estrutura definida e um entendimento comum dos objetivos e procedimentos. Sem esses elementos, a equipa pode lutar para tomar decisões coesas, manter o foco e alcançar o objetivo da Sprint, resultando em ineficiências e frustrações.

O Papel Fundamental do Scrum Master

O Scrum Master como um promotor da efetividade da equipa, tem um papel crucial na autogestão, a atuar como um facilitador e coach. É importante que o Scrum Master apoie a equipa sem remover seu poder de autogestão, equilibrando o fornecimento de orientação com a promoção da independência.

Equilibrar Liderança e Autonomia

O Scrum Master não é um gerente tradicional, mas um verdadeiro líder. A sua função primária é facilitar as operações da equipa e garantir que o Scrum seja aplicado de forma eficaz. Ao invés de ditar regras ou direcionar tarefas, o Scrum Master trabalha para criar um ambiente onde a equipa possa prosperar autonomamente, balanceando habilmente a liderança com a promoção da autogestão. É um grande desafio manter esse equilíbrio, porém muito necessário.

Desenvolver Habilidades de Autogestão na Equipa

Além de promover os Valores do Scrum, o Scrum Master ajuda a equipa a desenvolver habilidades necessárias para a autogestão. Isso inclui a facilitação de técnicas de resolução de problemas, tomada de decisão colaborativa e comunicação eficaz. Ao capacitar a equipa com estas habilidades, ele assegura que a equipa possa operar de forma eficiente, mesmo na sua ausência.

O papel do Scrum Master na promoção da autogestão é multifacetado e vital. Agindo como facilitador, mentor e coach, o SM equipa as pessoas com as ferramentas e o mindset necessários para prosperar em um contexto complexo. Ao empoderar as equipas para se autogerirem, o Scrum Master desempenha um papel fundamental para geração de valor.

Conclusão

A autogestão é um elemento chave para o sucesso de equipas ágeis, sendo um processo gradativo que se desenvolve e aprimora com o tempo. Ao adotar esse princípio, as equipas embarcam numa jornada de crescimento contínuo, alcançando progressivamente níveis mais elevados de eficiência, eficácia e satisfação. Esse processo de autogestão não acontece de imediato, mas se constrói passo a passo, à medida que a equipa ganha mais experiência e confiança nas práticas do Scrum. Entender e implementar a autogestão é, portanto, um componente fundamental e evolutivo para qualquer equipa que almeje maximizar seu potencial, adaptando-se e melhorando continuamente suas dinâmicas de trabalho.

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